quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Sobre Ensino Jurídico e suas Mazelas


Por André Lucas Fernandes¹
*Texto enviado à comissão de ensino jurídico da OAB-PE, após fala em audiência pública.

Reduzo por escrito os pontos que levantei na audiência publica promovida pela OAB-PE de modo a montar um quadro insuficiente da complexa questão do ensino jurídico. O que tomo como referência aqui é uma atividade reflexiva de caráter zetético-pedagógico ou de caráter zetético-epistemológico. Pedagogia entendida como “educação”, e epistemologia no sentido trabalhado por Warat.
Primeiro é preciso pensar uma questão fundamental que envolverá toda a retórica do ensino jurídico: direito é ciência, direito é técnica ou direito é poder?

No ensino jurídico existe toda uma construção falaciosa de usar adjetivos de ciência ou mesmo dogmática para um processo meramente doutrinário, na pior acepção que esse termo possa ter. Tal fator deve se pensado tendo em conta a questão da doutrina e da produção de literatura de qualidade extremamente duvidosa que os alunos consomem, e esse é o melhor verbo, e são incentivados a consumir de forma acrítica.

O tratamento dicotômico (ou falsamente tricotômico) da questão, que é complexa, se apresenta como outra falácia: direito é fundamentalmente poder, e é técnica, mas não é ciência efetivamente. Ao menos não levando em conta a maioria esmagadora da produção literária que funda e sustenta a cultura jurídica e a práxis jurídica. Nessa tripartição o argumento que mais é torturado pelo falseamento é o da “cientificidade do direito”. Argumento que não é praticado, em nenhuma forma, pela cultura jurídica média (aquilo que Warat chamaria de “senso comum teórico dos juristas"). E é justamente nesse ambiente que as Instituições (Federais) de Ensino Superior não tem uma postura pedagógica efetiva e clara: a fatídica frase de um ex-ministro da educação pode ser adaptada, “você finge que ensina, eu finjo que aprendo”. Isso quando o alunado não investe e endossa o processo de doutrinação que nivela por baixo, entrando na roda viva do que chamo “pacto da mediocridade”.

O curso acaba reduzido a mera etapa burocrática para o exame da OAB e, principalmente, para “ganhar dinheiro no setor público”. O aluno já chega com sentença marcada desde a escola: é que ao ser preparado para a caixinha do “pré-vestibular” e com toda implicação cognitiva desse processo, o discente usa as mesmas artimanhas e “habilidades” na graduação, que efetivamente mantém o padrão pré-vest. Não existe crítica, não existe vontade, efetivo aconselhamento e escolha por “vocação”, isso está bem longe da média, e maioria, do corpo discente de direito nas IFES e IES. O vestibular foi incapaz de capturar uma gama de habilidades e efetivamente testar o sujeito com vistas a procurar um cidadão pleno de habilidades e potenciais habilidades. Tão distante da realidade fica o aluno e tão efetivo é o processo de alienação que as escolas ajudam a consolidar no país. E por sua incapacidade o sistema escolar, pautado pró-vestibular, subjuga o potencial do sujeito encaixotando-o em dimensões pobres de habilidades humanas: habilidades de memória, de reprodução etc. São as mesmas habilidades que a graduação cobra e tenta incentivar, dando gás ao processo que culminará na “crise do ensino jurídico”. As aspas são propositais: é que o que se apresenta como “crise” é apenas “ápice”. Não existiu um apogeu anterior com posterior decadência, o que poderia ser entendido como crise. O que existe é um paradoxo criado por uma nova vertente de pensamento sobre ensino nas IES, não só no âmbito do direito. Para cada Pontes de Miranda e Tobias Barreto quantos não ficaram à margem da história ocupando cargos burocráticos e reproduzindo práticas de engessamento da estrutura do Estado e neutralização da inovação jurídica na seara privada?

Especificamente no curso de direito é incrível que não se incentivem habilidades como exercício de lógica, de crítica, de produção de saber científico, de oratória ou retórica – todas fundamentais para a formação dessa entidade que é o “jurista”, mas habilidades fundamentais para a construção, com e para, o sujeito que lidará com o conhecimento jurídico. O que se vê hoje é um aluno de primeiro período que não quer, simplesmente, estudar, buscando o caminho mais fácil: seja o resumo, seja a sinopse, seja o esquematizado, seja a própria cola na hora da prova. São alunos que estão estagiando já no final do primeiro período, ou início do segundo, sem nenhuma noção do labor jurídico, mesmo este labor que aí está com qualidade duvidosa. O que existe hoje é adaptação para uma linguagem de mercado, uma linguagem de síntese pobre que impera na sociedade. O que José Saramago criticava como a nossa regressão ao “grunhido”.


Pontuo brevemente a questão dos absurdos em sala de aula, especialmente nas Universidades Federais: com alunos sendo constrangidos por professores que não tem qualquer dimensão do que seja o ensino e que praticam excrecências nas avaliações. Anacronismo é eufemismo para o que acontece em algumas/várias cadeiras da Faculdade de Direito do Recife, por exemplo. Tudo isso claro, legitimado por um processo refinado e historicamente construído de silenciamento, por certa dose de leniência dos pares – o que poderia ser chamado de corporativismo – e pelo já citado pacto da mediocridade: ou seja, o professor é ruim, a avaliação é péssima, mas eu posso filar, eu posso pegar a prova na xerox e ela vai ser repetida. Todos compõem o quadro, pegam o pincel para pintá-lo, não se pode eximir alunos da cena posta, mas a responsabilidade institucional é clara e do corpo docente também.

Por fim, gostaria de relembrar comunicação proferida pelo Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr. no último Congresso Mundial de Filosofia do Direito e Filosofia Social que aconteceu em Belo Horizonte, no último mês de julho: o conceito está morrendo. Morrendo diante de uma cognição por imagens da atual geração. Se a percepção do renomado jurista acontece pela violência com a qual ele percebe o novo, já que sua geração foi muito mais “encaixotada” sobre essas questões, ou se ele está produzindo um pensamento de vanguarda não importa. O que ele anunciou pode não ser fato total, mas é cabal para a realidade da internet e das novíssimas tecnologias que estão espalhadas pela sociedade. Quem hoje em dia não tem um celular no bolso, e mais ainda com acesso à rede mundial de computadores.

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¹ É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Estuda a vida e obra de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Coordenador do grupo de estudo em Teoria Geral e Filosofia do Direito, Direito em Foco. Membro do grupo de pesquisa: As retóricas na história das ideias jurídicas no Brasil originalidade e continuidade como questões de um pensamento periférico . Membro do grupo de pesquisa: Direito, Tecnologia e Efetivação da Tutela Jurisdicional 

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