sexta-feira, 4 de outubro de 2013

#Ensino Jurídico - Nota do Grupo


NOTA SOBRE ASSÉDIO NO ESTÁGIO

Após uma roda de diálogo que teve como tema o assédio no estágio, a primeira constatação do grupo foi a de que não é possível falar sobre assédio no estágio sem falar de opressão de gênero e sexo, visto que a ocorrência do assédio nos estágios jurídicos é um "sintoma" da sociedade machista: o ambiente do estágio jurídico é um espaço público e, como tal, reproduz uma série de valores da sociedade. Além, a normatização que regra esses espaços emerge destes mesmos valores, de forma tal que se fixam padrões específicos de “certo e errado”, segregando indivíduos a partir de preconcepções sobre o gênero e o sexo. Um exemplo que demonstra isso é que, assim como em outros espaços, o ambiente do estágio jurídico, por ser um espaço público, é, ainda, dominado por homens.

Dado o desenvolvimento histórico, a distinção surgida pela divisão do trabalho e a luta dos movimentos feministas, é possível falar em um tempo de transição. Antes: a mulher que não podia ocupar os espaços públicos; a proibição moral – “é errado” – e legal, cabendo a ela o espaço privado. Hoje: a situação de luta e conflito, na qual, pela entrada legítima da mulher no ambiente de trabalho, que é um espaço público, surgem situações que desnudam preconceitos e atitudes de um paradigma machista de sociedade.

O Direito em Foco percebe que, sendo o ambiente do estágio jurídico carregado de expressões machistas, a estagiária acaba tendo que enfrentar, além dos problemas estruturais do estágio, a opressão de gênero e sexo. Sobre a mulher recai todo um constrangimento social: a norma, não só a jurídica, diz que é natural que a mulher seja vulgarizada, porque não dizer instrumentalizada, pelos homens. Piadas de clara conotação machista, por exemplo, entram no repertório utilizado para constranger. O anormal é que ela não aceite tais "brincadeiras", de forma que, a qualquer sinal de indisciplina, seja coagida. Exclusivamente sobre a mulher recai a culpa de tal assédio, de forma que este só ocorreu “porque ela pediu ao usar uma roupa provocante demais", devendo servir como "aprendizado" para que no futuro ela se adeque ao padrão de mulher ditado pela norma. Há, ainda, um constrangimento "individual" que pode, também, provocar graves abalos psicológicos e emocionais. Recentemente, o suicídio de uma jovem estagiária em São Paulo, fruto de um assédio cometido por "colegas de trabalho", chamou atenção para estas terríveis consequências. 

A percepção da mulher como única culpada, dificulta, inclusive, a denúncia dos casos de assédio, sendo, então, fundamental a existência de campanhas de conscientização na desconstrução desta visão que faz recair sobre a mulher a culpa pelo assédio. Além disso, a formação de núcleos que funcionem como ouvidoria, facilitando a denúncia, pode ser útil para suprir a atual ausência de mecanismos de auxílio às vítimas.

A própria confusão sobre o que é gênero, o que é sexo, num caldo de naturalizações sociais, afeta também o estagiário. É possível, de forma sintética, atribuir ao gênero toda uma carga simbólica com a qual a pessoa se apresenta em sociedade (relacionando tanto o papel social do gênero, desempenhado pela pessoa, como a identidade de gênero, ou seja, como essa pessoa se vê socialmente). O termo sexo seria usado numa redução à genitália com a qual a pessoa nasceu. Dessa forma sexo e gênero não teriam orientações fixas, mas culturalmente determinadas: o sexo (macho/fêmea) não teria correlação direta, ontológica, com os símbolos que compõem o espectro do gênero (masculino/feminino). Assim como o papel social do gênero, desempenhado pela pessoa, não teria correlação direta e ontológica com sua identidade de gênero, o que ocasionaria o fenômeno da transgeneralidade – que atesta a complexidade da questão, superando os binômios categoriais. 


O Direito em Foco percebe, então, que se a mulher, estagiária, é a vítima imediata de assédios, também o homem, estagiário, passa a ser alvo de ações e normalizações/normatizações que enclausuram e silenciam sua condição de sexo e gênero. A naturalização é ainda mais perversa quando ambos, homens e mulheres, passam a reproduzir, como dominadores ou dominados, uma série de comportamentos de exclusão que atentam contra direitos constitucionais expressos, mas ainda longe de serem efetivamente garantidos.

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