NOTA SOBRE INADEQUAÇÃO PEDAGÓGICA
E DESVIO DE FUNÇÃO NOS ESTÁGIOS DE DIREITO
E DESVIO DE FUNÇÃO NOS ESTÁGIOS DE DIREITO
Após uma roda de diálogo sobre a INADEQUAÇÃO
PEDAGÓGICA E DESVIO FUNCIONAL NOS ESTÁGIOS JURÍDICOS, o Direito em Foco
entendeu que o modelo pedagógico que mais adequado para as atuais necessidades
da educação jurídica é o de um ensino
dialógico, no qual professor e alunos produzam o conhecimento, superando a
concepção do aprendizado como reprodução exaustiva de manuais, cadernos e aulas
expositivas. Concepção esta que se encontra enraizada nos cursos e estágios de
direito no Brasil. Além, um ensino
crítico, no sentido da não ingenuidade e aproveitamento efetivo dos
potenciais dogmáticos e zetéticos, da conjugação do saber
teórico com o saber prático.
O grupo percebeu, também, a necessidade de
observar o referido desvio pedagógico e funcional dos estágios jurídicos de
forma ampla e contextualizada, orientando-se através de três questões-problema.
A primeira questão-problema que levantamos é: qual a função do estágio? Acreditamos
que o estágio não pode ser reduzido a uma forma de ingressar no mercado de
trabalho, tendo como único legado o processo de doutrinação para as regras de
comportamento empresarial e da dinâmica do escritório, visando a futura efetivação
no emprego. Esta prática é danosa, indo de encontro ao papel do estágio,
levantado em nossa roda de diálogos, como um ambiente de aprendizado e
experimentação. O estágio é o momento em que o aluno de direito poderá
interagir com o mundo jurídico e suas carreiras. Uma experiência que deveria
fomentar a autonomia, a iniciativa, a criatividade e a reflexão,
ao se lidar com o mundo profissional e os problemas práticos.
Outra importante questão-problema é: o estágio envolve qual tipo de trabalho?
A prática no estágio é comumente reprodutiva,
mesmo quando parece produção: pede-se ao estagiário que, a partir de modelos,
complete uma peça processual com determinados dados, sem nem mesmo explicar os
argumentos utilizados, por exemplo. Não há qualquer preocupação em explicar
toda a dinâmica processual, de forma que o contato do estagiário com os atos
processuais é acrítico: se mostra o jogo jurídico e as regras que o compõem,
mas não se ensina a jogá-lo de fato. No caso dos tribunais, muitas vezes,
sequer será ofertado o contato com o labor jurígeno, ou seja, pensar o processo
a partir da dinâmica do ordenamento e da justiça social.
Por último, uma última questão-problema: qual a relação dos alunos com estas formas
de estágio? O comum é que os alunos aceitem tais problemas já descritos
nesta nota. E, entre as mais variadas razões para que tal coisa aconteça, o
grupo destacou o perfil do aluno: o estudante passou por todo um sistema
escolar de ensino focado na reprodução, de forma que se tornou hábito não enxergar
o contato acrítico com as atividades nos empregos jurídicos como um problema,
pois o ensino reprodutor foi o único com o qual ele teve contato. Assim como no caso do assédio,
a reprodução constrói o hábito e o hábito sustenta a concordância. É que
o aluno de direito, em não raras vezes, passa a investir sobre esse modelo de
prática jurídica perpetuando uma atividade jurídica de qualidade questionável.
Com o passar do tempo, se torna clara a
deliberada atitude pró-reprodução que começou na escola, se consolida na
educação e é taxada por “natural e de qualidade” no trabalho.
Se no caso dos escritórios de advocacia essa
reprodução, por adequação ao modelo do chefe, se faz patente, nos estágios em
órgãos públicos não é diferente – ao contrário, a prática é assaz semelhante em
muitas procuradorias e tribunais. Quando muito o estagiário aprende parte das
operações administrativas na condução de um processo judicial, dando uma visão
compartimentalizada e alienante.
O que levou o grupo à constatação final de que
se invertem os polos da relação, tornando a Instituição de Ensino secundária
diante do Órgão Concedente do estágio. A correção está do lado oposto: cabe à Instituição de Ensino Superior e
órgãos superiores zelarem pela prevalência do “espaço de formação” e seus
desdobramentos diante de um “espaço de emprego” e suas questões. Acerca
dessa questão uma solução possível, surgida nos debates, foi a criação ou
efetivação de uma Central ou Coordenadoria de Estágio com atuação cabal no
controle e observação do desenvolvimento dos estágios, levando em conta,
especialmente o feedback dos alunos.
Em uma sociedade complexa como a nossa,
qualquer problemática envolve diversas causas. O desvio pedagógico e funcional
nos estágios e a identificação dos problemas a partir de uma observação do meio
em que eles se inserem, é de extrema importância. É necessário perceber os
problemas do estágio inseridos dentro da problemática do ensino jurídico e do
trabalho jurídico: aproximá-los, não distanciá-los, não tratá-los apenas como
uma mera questão de relação burocrático-formal entre instituição concedente e
concedido.
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