terça-feira, 22 de outubro de 2013

#Ensino Jurídico - Nota do Grupo

NOTA SOBRE INADEQUAÇÃO PEDAGÓGICA
E DESVIO DE FUNÇÃO NOS ESTÁGIOS DE DIREITO

Após uma roda de diálogo sobre a INADEQUAÇÃO PEDAGÓGICA E DESVIO FUNCIONAL NOS ESTÁGIOS JURÍDICOS, o Direito em Foco entendeu que o modelo pedagógico que mais adequado para as atuais necessidades da educação jurídica é o de um ensino dialógico, no qual professor e alunos produzam o conhecimento, superando a concepção do aprendizado como reprodução exaustiva de manuais, cadernos e aulas expositivas. Concepção esta que se encontra enraizada nos cursos e estágios de direito no Brasil. Além, um ensino crítico, no sentido da não ingenuidade e aproveitamento efetivo dos potenciais dogmáticos e zetéticos, da conjugação do saber teórico com o saber prático.

O grupo percebeu, também, a necessidade de observar o referido desvio pedagógico e funcional dos estágios jurídicos de forma ampla e contextualizada, orientando-se através de três questões-problema.

A primeira questão-problema que levantamos é: qual a função do estágio? Acreditamos que o estágio não pode ser reduzido a uma forma de ingressar no mercado de trabalho, tendo como único legado o processo de doutrinação para as regras de comportamento empresarial e da dinâmica do escritório, visando a futura efetivação no emprego. Esta prática é danosa, indo de encontro ao papel do estágio, levantado em nossa roda de diálogos, como um ambiente de aprendizado e experimentação. O estágio é o momento em que o aluno de direito poderá interagir com o mundo jurídico e suas carreiras. Uma experiência que deveria fomentar a autonomia, a iniciativa, a criatividade e a reflexão, ao se lidar com o mundo profissional e os problemas práticos. 

Outra importante questão-problema é: o estágio envolve qual tipo de trabalho? A prática no estágio é comumente reprodutiva, mesmo quando parece produção: pede-se ao estagiário que, a partir de modelos, complete uma peça processual com determinados dados, sem nem mesmo explicar os argumentos utilizados, por exemplo. Não há qualquer preocupação em explicar toda a dinâmica processual, de forma que o contato do estagiário com os atos processuais é acrítico: se mostra o jogo jurídico e as regras que o compõem, mas não se ensina a jogá-lo de fato. No caso dos tribunais, muitas vezes, sequer será ofertado o contato com o labor jurígeno, ou seja, pensar o processo a partir da dinâmica do ordenamento e da justiça social.

Por último, uma última questão-problema: qual a relação dos alunos com estas formas de estágio? O comum é que os alunos aceitem tais problemas já descritos nesta nota. E, entre as mais variadas razões para que tal coisa aconteça, o grupo destacou o perfil do aluno: o estudante passou por todo um sistema escolar de ensino focado na reprodução, de forma que se tornou hábito não enxergar o contato acrítico com as atividades nos empregos jurídicos como um problema, pois o ensino reprodutor foi o único com o qual ele teve contato. Assim como no caso do assédio, a reprodução constrói o hábito e o hábito sustenta a concordância. É que o aluno de direito, em não raras vezes, passa a investir sobre esse modelo de prática jurídica perpetuando uma atividade jurídica de qualidade questionável. 

Com o passar do tempo, se torna clara a deliberada atitude pró-reprodução que começou na escola, se consolida na educação e é taxada por “natural e de qualidade” no trabalho.

Se no caso dos escritórios de advocacia essa reprodução, por adequação ao modelo do chefe, se faz patente, nos estágios em órgãos públicos não é diferente – ao contrário, a prática é assaz semelhante em muitas procuradorias e tribunais. Quando muito o estagiário aprende parte das operações administrativas na condução de um processo judicial, dando uma visão compartimentalizada e alienante. 

O que levou o grupo à constatação final de que se invertem os polos da relação, tornando a Instituição de Ensino secundária diante do Órgão Concedente do estágio. A correção está do lado oposto: cabe à Instituição de Ensino Superior e órgãos superiores zelarem pela prevalência do “espaço de formação” e seus desdobramentos diante de um “espaço de emprego” e suas questões. Acerca dessa questão uma solução possível, surgida nos debates, foi a criação ou efetivação de uma Central ou Coordenadoria de Estágio com atuação cabal no controle e observação do desenvolvimento dos estágios, levando em conta, especialmente o feedback dos alunos.


Em uma sociedade complexa como a nossa, qualquer problemática envolve diversas causas. O desvio pedagógico e funcional nos estágios e a identificação dos problemas a partir de uma observação do meio em que eles se inserem, é de extrema importância. É necessário perceber os problemas do estágio inseridos dentro da problemática do ensino jurídico e do trabalho jurídico: aproximá-los, não distanciá-los, não tratá-los apenas como uma mera questão de relação burocrático-formal entre instituição concedente e concedido.

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