terça-feira, 15 de abril de 2014

Para além dos ISMOS: Machado Neto e o Sociologismo Brasileiro


Por André Lucas Fernandes¹

A tática retórica de nomear por “ismo” uma tendência do passado e a valoração negativa dessa expressão é algo corrente na prática dos teorizadores do direito. Ao mesmo tempo o “ismo” indica uma obvia tendência no pensamento de manter uma série de caracteres comuns diacronicamente, em prosseguimento pela “linha do tempo”. O que me leva a comentar aqui é a leitura do livro de 1969 de Antonio Luiz Machado Neto e a rodada, assaz elegante e reta, de ismos que ele elenca para percorrer as fundamentações doutrinárias da ciência jurídica.

Jusnaturalismo, exegetismo, historicismo, sociologismo, normativismo e egologismo, sucedidos cronologicamente, corrigindo pontos faltantes nos anteriores. Machado Neto, por bem adianto, faz parte da leva de juristas que, atacando o império do sociologismo no Brasil, vê na obra de Hans Kelsen um marco teórico que satisfaz à indagação máxima: quid juris? Para além de Kelsen, é no egologismo de Carlos Cossio que Machado Neto encontrou a guarida teórica de suas pretensões como jurista, de seus anseios intelectuais. Adiantada a parte histórica, encerro-a e foco no confronto.

A crítica normativista ao sociologismo é a de que este não poderia dar a resposta mínima aos problemas jurídicos. Quid Juris? – questiona o jurista. Qual o direito? “[...] tôda a teoria sociológica do direito não resolve a mais elementar questão forense; não acode com a resolução da questão que indagasse, por exemplo, se é com 20, 21 ou 22 anos que se adquire a maioridade entre nós, apenas podendo estar em condições de dizer o porquê sociológico (e não o quê jurídico) [quid juris? – pergunto eu agora] de ter o nosso legislador escolhido os 21 anos.”

Ignoro a provocação mais clara: tendo em vista que o “por que do legislador ter escolhido os 21 anos” é algo que a sociologia pode fazer, e faz melhor, do ponto de vista do entendimento dos fenômenos do mundo que a mera explicação normativista. Em arrematada e apressada síntese o autor reconhece e saúda a vitória do sociologismo, a seu turno, contra o “velho abstracionismo racionalista da jurisprudência tradicional, o seu esclerosamento, o seu formalismo, a sua separação radical da vida real e efetiva”. O homem do silogismo famoso é o homem aqui ao lado, o homem da vizinhança, diz Nelson Saldanha. Eu ferreteio: deve ser também, pelo menos!

O problema teórico aqui é que Machado Neto cita Pontes de Miranda e Djacir Menezes como exemplos, dentre tantos outros, vindos desde Tobias Barreto, do sociologismo brasileiro. Em que pese citar duas obras de Djacir Menezes e a justa crítica à “intrincada e prolixa” obra de Pontes de Miranda, não resta nenhuma razão ao jurista baiano quanto ao questionamento sobre a ausência de respostas da sociologia jurídica, ou melhor, ciência do direito positivada pela redução sociológica. Não da parte de Pontes e Djacir. Ambos diriam a mesma coisa, mestre e pupilo: do indicativo da ciência se tira a imperatividade da norma.

Semelhante erro cometeu outro famoso normativista, Lourival Vilanova, ao tentar forjar uma justificativa conciliatória de teorias que tirasse do indicativo científico a imperatividade normativa. Vilanova tentou mostrar isso por estruturas lógicas, tendo dores de cabeça ao associar o seu modelo com o de Pontes de Miranda. O engano está em desconsiderar as insistentes vezes em que a obra ponteana fez concessão à metáfora, à linguagem, antecipando coisas pouco existentes na sua época. Erro também em considerar a obra ponteana a partir de um pedaço somente, notadamente o Tratado de Direito Privado.

A resposta dos sociologistas, aos quais eu costumo chamar de cientificistas espiritualistas, está num pulo do gato político: da pesquisa da sociedade, das relações sociais, do funcionamento da regra na sociedade se tiraria a disposição política (a norma) que melhor adaptasse o homem à mesma sociedade. Não é a ciência ditar imediatamente a norma, mas conduzir à melhor construção normativa possível pelo legislador. A ciência do direito, diferente da práxis jurídica, não se preocuparia com o “quid júris”. No mundo de idealidades e da grande verdade/grande erro, que Machado Neto faz referencia ao citar Ortega y Gasset, está o de que a ciência tem o monopólio do conhecimento que melhor adapta, racionalmente, o homem. É o único? Não. Pontes elencará, pelo menos, sete principais “processos sociais de adaptação”.

Pesa de um lado o exagero de Pontes de Miranda: veio para enterrar o escolasticismo que Tobias Barreto demoliu na base da picareta, para lembrar o jurista da vida real e efetiva. Pesa do outro o exagero de Machado Neto, cuja matriz teórica descambará novamente para o abstracionismo da norma, como fator de análise da conduta. 

Acerto de todos os lados: racionalidade para operar um sistema construído logicamente; não mais a lógica da verdade, mas a lógica de um, dentre tantos, modelos. Pesquisa sociológica para compreender as “externalidades” que esse sistema lógico, que reconstrói a conduta humana, é capaz de gerar, seus efeitos, seus erros e acertos. O próprio Machado Neto sugere: parece que a questão supera a dialética trifásica hegeliana, pela dialética bifásica: um caráter de normativismo gerará um sociologismo, com uma posterior reação normativista e por aí lá vai o bonde. 

Falando por Pontes, o objetivo de todo intrincado, prolixo e “receitual” pensamento ponteano é a melhor adaptação do homem à vida social, redução do quantum despótico, aumento da energia civil, ampliação dos círculos sociais em direção ao círculo humanidade e caminhada para a livre interpretação do direito. Mas todos esses nomes, tão próprios ao sociologismo que imperou no Brasil do séc. XX, ficam para outro comentário.

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¹É aluno da graduação da Faculdade de Direito do Recife - Universidade Federal de Pernambuco. Estuda a vida e obra de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Fundador do grupo de estudo em Teoria Geral e Filosofia do Direito, Direito em Foco. 

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